Perguntar “Quem pode tomar a ceia?” é o mesmo que perguntar, “quem pode vir a Jesus?” ou “por quem Jesus morreu?”
Entendo a cautela e a “piedade” daqueles que colocam grades no dom de Deus, ao acreditarem estarem protegendo a Santidade do Senhor, expressa na Sagrada Comunhão. Mas, é difícil imaginar Jesus participando disso, ainda mais quando lembramos que a ceia é uma expressão memorial e tangível do amor inefável do Senhor pelos pecadores.
O que é a ceia?
Paulo deixa claro qual é o propósito da Ceia. Ele cita Jesus que diz:
E, tendo dado graças, o partiu e disse: Tomai, comei; isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim. Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo testamento no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que beberdes, em memória de mim. (1 Coríntios 11:24,25)
Jesus disse duas vezes, no partir do pão e no cálice, “fazei isto em memória de mim”. Jesus estava dizendo: “fazei isso para lembrar de mim”. Essa lembrança é uma lembrança de quem Jesus é, e da Obra que ele realizou na Cruz. Esse é o propósito da Ceia, nos lembrar desse perfeito sacrifício.
A ceia não é uma avaliação do nosso desempenho, mas uma festa que proclama e lembra que todos os pecados foram carregados e perdoados em Cristo. A ceia proclama a verdade de que em Cristo somos totalmente perdoados e livres da culpa.
Todos podemos participar da ceia porque esse sangue e esse sacrifício foi por todos nós. Somente precisamos ter a consciência dessa verdade ao participar.
Tomar a ceia indignamente?
Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor. (1 Coríntios 11:27)
Ao olhar para esse texto, muitos dizem: “veja, você precisa se examinar, avaliar as suas obras, se estiver indigno, não pode participar da ceia.”
Essa interpretação está errada porque:
- Indignamente é um advérbio de modo, e não um adjetivo. Um adjetivo caracteriza uma pessoa, se fosse um adjetivo, seria “qualquer indigno que participar da ceia será culpado…”. Perceba, o indigno está caracterizando o “qualquer”, que se refere a qualquer pessoa que tomar a ceia. Indignamente é um advérbio, e caracteriza a ação que está sendo feita, ou seja, aqui, ele caracteriza a ação de tomar a ceia.
- Paulo, ao usar o termo indignamente, está se referindo ao modo errado de tomar a ceia. Paulo está dizendo que os coríntios deveriam tomar a ceia da forma certa, e não de uma forma errada.
Só cristãos batizados podem participar da Ceia?
Na época dos apóstolos, o batismo precedia imediatamente a fé em Cristo. Por isso, todos os cristãos eram batizados, quase sempre, no mesmo dia da conversão. Com base nisso, muitos concluem que a ceia só deve ser dada aos batizados, pois os cristãos da época já eram batizados ao participar. Claro, esse argumento não se sustenta, e é auto refutável.
Existe um grande problema em criar princípios de costumes. O costume de batizar no ato de fé é louvável, e se deve à pressão social-cultural que os cristãos viviam. No entanto, a ligação do batismo com a Ceia se tornou um princípio regulador e legislativo para a Igreja. Atualmente, pastores e líderes locais demoram dias ou meses para batizar e, assim, acabam impedindo os cristãos de tomarem a ceia até o dia do batismo. Aqui está o equívoco, tornar o costume um princípio regulador — que não possui base nas Escrituras.
A única referência da igreja primitiva sobre participar da Ceia após o batismo se encontra no Didaquê:
“Mas ninguém coma ou beba da sua Eucaristia, a menos que tenha sido batizado em nome do Senhor, pois a respeito disso também o Senhor disse: ‘Não deis o que é santo aos cães.’ “[Cf Mt 7: 6 ] – Didaquê 9:5
O Didaquê é um escrito do início da Igreja que não foi considerado “canônico”. O ensino de que somente aqueles que são batizados podem participar da ceia não encontra apoio nas Escrituras.
Descrentes podem participar?
Outra questão, ainda mais polêmica e problemática, é se descrentes, isto é, os não-salvos, podem participar da ceia. No culto de Ceia, todos podem participar do corpo e do sangue de Cristo? Ou somente os membros da igreja que creram em Jesus como salvador suficiente?
Cristãos tradicionais tratam a questão da seguinte forma: a ceia é uma expressão do pacto, da Nova Aliança de Deus com seus filhos, por meio do Sangue de Jesus (Lucas 22:20). Deste modo, é uma prática dos que estão aliançados. Descrentes não podem participar, pois, como diz a Didaquê, citando Mateus, “Não deis o que é santo aos cães.” É claro, além da conversão e batismo, muitos acrescentam outros requisitos para participar da Sagrada Comunhão. Creio que Judas e os demais discípulos estariam de fora da ceia atual.
Nesse sentido, eu não sou tradicional, pois vejo a ceia não como uma prática somente dos aliançados, mas também um convite aos que estão de fora dessa aliança. Isso é expresso no fato de que a primeira Ceia dada por Jesus foi antes de sua morte e ressurreição, e a descida do Espírito no pentecostes (Atos 2). Nenhum dos discípulos havia nascido de Novo ou recebido o Espírito Santo. Eles se quer tinham grandes conhecimentos sobre Jesus e sua obra. Comparado aos critérios modernos, todos eles eram incapazes de participar.
Se colocarmos Judas nessa questão, o ponto fica ainda mais sério. Na Ceia, as intenções de Judas eram malignas, mas não houve qualquer impedimento de participar. Jesus sabia quem o trairia, mas ainda assim ofereceu o pão e o cálice. Isso demonstra que Cristo ofereceu Graça a Judas antes de seu pecado. Pedro é o mesmo exemplo.
Alguns podem argumentar que apenas os discípulos participaram da ceia, sendo assim, Jesus não abriu para o público, em geral. No entanto, essa não parece ser uma conclusão coerente. Foram apenas homens que participaram da ceia, logo, só homens devem participar?
Entenda que não estou usando o exemplo da Última Ceia a partir do que ela inclui, mas do que ela não exclui. Esse é o ponto de importância aqui.
Em outras palavras, negar a Ceia ao mundo é negar o sangue da Cruz aos homens. É negar os braços de Cristo. É negar a salvação e o perdão de pecados, pois é disso que a Ceia testifica (Marcos 14:22-24; Lucas 22:20). Se o sangue de Cristo foi derramado por todos, se a salvação foi operada em favor do mundo, e a Ceia representa essa obra, como pode ser uma bênção exclusiva da Igreja? Não faz sentido. A obra é por todos, mas o memorial dessa obra é apenas para um grupo?
Se alguém se sente atraído a Cristo, mesmo sem ser batizado, isso já pode ser sinal de fé nascendo — impedir essa pessoa pode apagar uma obra do Espírito.
Crianças podem?
Adultos, sim, mas e às crianças? Muitas congregações proíbem crianças de participarem da ceia pelos motivos anteriores: 1) fé; 2) batismo.
Em relação à fé, diz respeito a falta de consciência da criança em receber Jesus como seu salvador. Em outras palavras, uma criança de 3 a 11 anos, ou mais, pode não ser capaz de confessar Jesus como salvador. Isso seria suficiente para impedi-la de participar. Como já demonstramos que a fé ou a falta dela não é um critério bíblico, vamos discorrer rapidamente a sequência do raciocínio.
Com base em 1 Coríntios 11, sobre o autoexame antes de cear, as crianças são proibidas de participar. Como elas não possuem a faculdade da autoconsciência em sua forma plena, não seria correto deixá-las participar de algo que exige essa consciência.
Essa é uma interpretação errada do que Paulo deseja comunicar. O exame da ceia não é um autoexame de falhas e pecados, como já demonstrado anteriormente. É um exame da Cruz, do conhecimento sobre o que ela representa. Também devemos lembrar que Jesus fez a explicação completa do significado e propósito da Ceia antes de participar, deixando para nós um modelo de explicação para seguirmos (Mateus 26:26-28). A explicação deixada por Jesus é tão simples que até uma criança conseguiria entender – discípulos sem compreensão e sem o Espírito a receberam. Dizer o oposto é chamar nossas crianças de incompetentes e questionar sua capacidade de compreensão.
Se crianças são capazes de ouvir músicas, aprender português, geografia, história e etc., por que devemos tratá-las de forma diferente quando ensinamos as verdades da cruz?
Embora elas não possam, talvez, tomar uma decisão de entrega a Cristo. Já podem, por uma questão de lógica, receberem um entendimento dos fatos.
Na famosa passagem de Jesus com as crianças, ele disse: “deixe vir a mim os pequeninos porquê deles é o reino dos céus” (Mateus 19:14). Então, quer dizer que as crianças possuem o Reino, mas não podem se assentar a mesa do Rei?
No banquete do Rei, todos são bem-vindos.
Epílogo
Deixe todos eles virem. Crianças, pecadores, devedores, religiosos.
“Ah, mas eles não são dignos”
E você se acha digno?!
“Ah, mas eles são impuros.”
“Deixe que a pureza da cruz os purifique. Eles não irão ‘sujar’ a ceia. É o que ela representa que os purificará.”
Não seja um dos que impedem os pequeninos de desfrutar da Graça de Deus. Há poderosa fúria da parte do Senhor contra aqueles que assim agem.
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